O Homem Sem Rosto
Minhas pernas estavam dormentes de tanto correr. Esforcei-me para escutar os sons ao meu redor, mas tudo era abafado por um insistente zumbido. Senti minha cabeça latejando, um fio de sangue descia pela minha testa. Como deixei tudo chegar a esse ponto? Arrastei-me até minha cama, sem ao menos conseguir tomar um banho. Cada músculo do meu corpo doía, e me permiti adormecer, embalada pela música baixinha que vinha da sala. Até que me lembrei de que não tinha ligado música nenhuma.
Caro leitor, meu nome é Cecília. Nada na minha vida é extraordinário, muito pelo contrário: tenho um emprego chato de garçonete, trabalho horas a fio para ganhar um mísero salário que mal paga minhas despesas e sou uma pessoa muito solitária. Não falo com meus pais há meses, não tenho muitos amigos e meu namorado terminou comigo na semana passada. Bom, há uma única coisa que pode ser considerada extraordinária, algo que eu não desejaria nem ao meu pior inimigo. Desde muito pequena, sempre tive uma ligação com o sobrenatural, e eventos em que via um homem sem rosto se arrastando pelo meu jardim eram muito comuns. Ele ficava lá, à espreita, esperando e vigiando. A última vez que tinha visto o ser misterioso foi há 10 anos, quando o vi deixando minha casa pela primeira vez. Até o dia de hoje, quando ele apareceu novamente.
Era tarde da noite, e eu estava saindo da lanchonete onde trabalhava. Andava pelas ruas desertas em direção à minha casa, quando repentinamente senti um arrepio me atingir. Pude sentir alguém – ou algo – me observando, então me virei. A criatura estava lá, mas não parada e alerta como de costume, e sim se aproximando. Primeiro lenta e cautelosamente, depois depressa. Quando me dei conta, estava correndo o mais rápido que podia na direção oposta à minha casa. Embrenhei-me na floresta, tentando despistar o misterioso ser e acabei tropeçando e batendo a cabeça num galho. Minha cabeça latejava, meus ouvidos zumbiam e um fio de sangue escorria pela minha testa. Não conseguiria fugir por muito mais tempo.
Juntei todas as energias que me restavam para correr até minha casa, rezando para todas as entidades que conhecia. E voltamos ao momento em que estou deitada na minha cama, ouvindo uma música misteriosa, cuja origem não consigo identificar. Tento gritar, mas me sinto sufocada. Tento me levantar e correr, mas não tenho mais forças. A criatura se aproxima, apoia suas mãos enrugadas e frias em meu pescoço e aperta-o. Aos poucos, aquele homem sem rosto vai me estrangulando, e eu vou perdendo o ar sabendo que cheguei à linha final. Ele sussurra bem próximo ao meu ouvido: “Eu sou o desespero, a solidão, a desesperança. A morte e a discórdia. Se estamos aqui, a culpa é sua e somente sua. Você se destruiu, Cecília Lemos.”
Então alcanço o outro lado, sabendo que não há ninguém para chorar minha morte ou sentir minha falta.